HPV e Ginecologia Oncológica, por Dr. José Maria Moutinho
12/03/2021 21:27 +00:00
Publicado a 12 Março, 2021


Ginecologista
O vírus do papiloma vírus humano (HPV) é um microorganismo muito ubíquo, cuja infecção é muito frequente. Transmite-se directamente, entre epitélios em contacto, principalmente durante as relações sexuais. Calcula-se que 80% das pessoas, sejam infectadas pelo vírus, em algum momento das suas vidas .
Segundo a OMS (Organização Mundial de Saúde), 1 000 000 de pessoas todos os dias são infectadas por este vírus. Como na grande maioria dos casos não há tratamento eficaz, são as nossas defesas através da resposta imunitária, que tratam de eliminar cada uma destas infecções.
A maioria das infecções pelo HPV desaparece espontaneamente sem deixar sequelas. Quando a infecção persiste, o que acontece em 10% das pessoas, pode ocasionar o aparecimento de um cancro ou de lesões pré-malignas, cujo não tratamento pode levar a um cancro.
A OMS considera o HPV o segundo carcinogénico mais importante, logo a seguir ao tabaco, sendo responsável por 5% dos cancros, 10% dos cancros na mulher e 15% dos cancros em mulheres nos países em vias de desenvolvimento.
A relação causal entre infecção por HPV e cancro do colo do útero foi estabelecida há mais de 30 anos.
Mais recentemente, foi estabelecida uma relação causal entre a infecção persistente por este vírus e tumores noutras localizações, em ambos os sexos. Nomeadamente cancros da orofaringe, ânus, vulva, vagina e pénis .
Calcula-se que, na Europa, a infecção por HPV seja responsável por 284.000 a 540.000 lesões pré-cancerosas ano-genitais, e 44.000 novos casos de cancro.
Além disso o HPV é responsável pelo aparecimento de verrugas genitais (condilomas) que, embora benignas, causam desconforto significativo, são difíceis de tratar e afectam ambos os sexos.
O grupo de homens que tem sexo com homens (MSM) é particularmente susceptível ao aparecimento de verrugas genitais, ao aparecimento de lesões pré-malignas e malignas a nível do ânus.
Em 2008, quando as vacinas foram introduzidas no programa nacional de vacinação (PNV), eram apenas dirigidas ao sexo feminino e tinham como objectivo a prevenção do cancro do colo, das lesões pré-malignas ano-genitais e das verrugas genitais.
Actualmente, este objectivo é muito mais alargado, incluindo nomeadamente indivíduos do sexo masculino.
A vacinação contra o HPV, para além de confirmar a alta eficácia demonstrada nos ensaios clínicos, tem revelado uma elevada efectividade na vida real. Em todos os países onde foi introduzida a vacinação, assiste-se a uma baixa acentuada das doenças relacionadas com o HPV, mesmo no grupo da população não vacinada (protecção de grupo).
A Sociedade Portuguesa de Ginecologia (SPG) recomenda a vacinação sistemática universal contra a infecção por HPV, a raparigas e rapazes antes dos 12 anos, para prevenção oncológica das doenças associadas ao HPV. Esta medida demonstrou uma significativa redução na carga de doença, em ambos os sexos. Na Europa, 48% dos países já introduziram a vacinação universal, com neutralidade de género. Portugal é um País com taxas de cobertura próximas dos 90%, factor fundamental no êxito de qualquer programa vacinal.
A eficácia máxima da vacinação é obtida quando realizada abaixo dos 17 anos. No entanto, essa eficácia continua muito alta até aos 26 anos, independentemente da existência ou não de relações sexuais, de modo que as principais sociedades científicas aconselham o alargamento do cohorte vacinal a todas as pessoas até essa idade.
A população adulta, com mais de 26 anos, continua susceptível à infecção por HPV, revelando um estudo recente taxas de 25-49%, com 50% das infecções acima dos 34 anos, em mulheres. Foi demonstrada eficácia das vacinas, em ambos os sexos até aos 55 anos. Foi também demonstrada a diminuição da transmissibilidade da infecção em pessoas vacinadas. Deste modo, e de modo individualizado, as principais Sociedades Científicas recomendam, fortemente e de maneira pro-activa, a vacinação neste grupo etário.
Para além da prevenção primária fornecida pela vacinação, às doenças provocadas pela infecção por HPV, existe um programa de prevenção secundária em relação ao cancro do colo do útero. Esse programa de rastreio, realizado através de um teste para a detecção do HPV, em mulheres sexualmente activas, quer estejam vacinadas ou não, permitem conhecer as populações em risco de padecer de lesões pré-malignas (displasias) e encaminhá-las para consultas especializadas de Ginecologia, onde são adequadamente tratadas, controlando as lesões leves e extirpando as graves, impedindo, deste modo, o aparecimento deste cancro.
As Sociedades Científicas propõem um seguimento destas doentes tratadas, a vacinação contra o HPV nas mulheres não vacinadas, bem como evitar certos co-factores como o tabaco, que favorecem a persistência da infecção vírica.
O cancro do colo do útero é considerado pela OMS uma doença, que pode ser prevenida e passar a ter números residuais (≤ 4 casos/100.000 mulheres) com mortalidade muito reduzida em 2030, se as autoridades de saúde conseguirem impor agora a seguinte arquitectura :
- 90% das raparigas vacinadas até aos 15 anos.
- 70% de mulheres rastreadas com testes de alta precisão, entre os 35 e os 45 anos.
- 90% das mulheres diagnosticadas com doença do colo do útero, receberam tratamento adequado
A Organização Europeia Contra o Cancro, concordando com arquitectura proposta pela OMS para a eliminação do cancro do colo do útero, procura ir um pouco mais longe, sendo de salientar 3 das suas recomendações:
- vacinação de 90% dos adolescentes de ambos os sexos, com particular atenção para que seja assegurada a equidade a todos os grupos demográficos.
- vacinação individualizada em pessoas adultas, após informação pro-activa do prestador de cuidados de saúde.
- promover a vacinação, neutral de género, em grupos considerados de alto risco para doenças causadas pelo HPV, tais como: MSM, migrantes, doentes imunodeprimidos e trabalhadores sexuais.
Dr. José Maria Moutinho, ginecologista
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